terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Os perigos do torpedo ao volante

Com celulares prontos para enviar SMS e permitir acesso rápido a e-mails e redes sociais a qualquer momento, motoristas estão cada vez mais ligados em tudo – menos no trânsito



Nicole Azevedo dirige em uma reta quando o celular anuncia a chegada do recado. Plimmm! Ela abaixa o olhar à procura do aparelho, estica uma das mãos para apanhá-lo, mas não o alcança. Ao ver que ele caiu no chão, faz um malabarismo: abaixa-se depressa enquanto se esforça para manter o veículo em linha com uma só mão no volante. Finalmente com o celular em punho, a assistente de redação, de 22 anos, começa a digitar uma resposta. Sem se dar conta, tira o pé do acelerador. O repórter Ricardo Sant’Anna nota a mudança no comportamento da motorista à sua frente e consegue reduzir a velocidade, também. Já quem o segue não tem a mesma sorte e... Pow! O engavetamento envolve seis automóveis.

O choque não provoca ferimentos, só risadas. Algumas disfarçam a leve tensão dos “pilotos” que se propõem a imaginar as consequências daquela situação em uma estrada de verdade. Ah, não, eles não estavam em uma rodovia, mas no “Vambatê”, pista de carrinhos de bate-bate do Hopi Hari, no interior de São Paulo. O nome do brinquedo não poderia ser mais sugestivo e apropriado. Mas ainda que se chamasse “Vambatê naum”, as batidas seriam inevitáveis, como mostrou a simulação realizada por Autoesporte.

Sem pretensões científicas, levamos seis voluntários até o parque de diversões para descobrir como o envio de mensagens de texto via celular (SMS) afeta a capacidade de dirigir, muito mais que o ato (já comprovadamente perigoso) de falar ao celular enquanto dirige. Pesquisa da Universidade de Virgínia (EUA) revela que escrever torpedos ao volante aumenta em 23 vezes as chances de um acidente – uma ligação eleva em quatro vezes esse risco. Nós confirmamos a tendência.


Com a ajuda do Centro Pilotagem Roberto Manzini, especializado em aulas de direção esportiva e defensiva, montamos na pista de bate-bate um circuito externo oval com uma curva em “S” na parte interna (veja no box). Nele, os voluntários tinham de se portar como se estivessem no trânsito, mantendo-se dentro da faixa, respeitando os cruzamentos e a sinalização, que indicava qual traçado seguir. Em pontos estratégicos, eles recebiam uma chamada e tinham de respondê-la com SMS.

Fácil como brincadeira de criança, certo? Nem tanto. Bastou o primeiro torpedo para a coisa ficar séria. A artesã Giselle Bueno, de 30 anos, é prova disso. Durante todo tempo, tentou driblar o teste, recusando-se a digitar mensagens quando fazia curvas. “Olha o telefone, pessoal!”, avisava um dos instrutores. Mesmo adiando a digitação da resposta, ela derrubou vários postes e pedestres. “Se todos os cones que derrubei fossem pessoas, carros ou qualquer outro obstáculo que existe nas ruas, minha habilitação seria cancelada com tanta infração que cometi!”, diz.

Parte dos incidentes se deve ao fato de o motorista não estar com as duas mãos no volante – o que rende multa de R$ 85,13 e soma quatro pontos na CNH. “O simples sinal de mensagem é capaz de gerar ansiedade intensa no motorista, que, de cara, tira a mão do volante. Nesse movimento, perde de quatro a cinco segundos de atenção. Se ele estiver a 100 km/h, vai percorrer ao menos 100 metros totalmente desconectado da direção”, afirma Dirceu Rodrigues Alves, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).

Mesmo quando não responde de pronto às mensagens, o condutor tem os sentidos alterados, e a ansiedade citada por Alves é uma das razões. “Você entra naquela adrenalina de saber quem está escrevendo, se é urgente ou não. O mundo de hoje nos prende ao trabalho, à família; nos faz tentar responder um e-mail, um SMS a cada instante, até mesmo no trânsito”, conta o jovem Sant’Anna, de 21 anos. Distraído, por melhor que seja o motorista, ele estará mais propenso a se envolver em acidentes. E hoje, a distração é a quarta maior causa de incidentes no país – perde para embriaguez, excesso de velocidade e sonolência.

O lapso de atenção pode ser ainda maior, de acordo com o teor das mensagens trocadas. “Esses diálogos têm uma repercussão. O motorista pode ficar sob o impacto da mensagem por muito tempo e continuar desconcentrado. Há muitos casos de acidentes que ocorrem logo depois de ligações ou trocas de SMS”, garante o diretor da Abramet.









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